O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ricardo Lewandowski, apresentaram, nesta quinta-feira (31), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública a governadores e vice-governadores de 21 unidades federativas. A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). O texto da proposta está em análise na Casa Civil e, em seguida, será encaminhado para a apreciação do Congresso Nacional.
O encontro, segundo Lula, foi uma oportunidade de compreender as diferentes perspectivas sobre a segurança pública no País. Ele ressaltou que a PEC não é uma proposta definitiva, mas sim um ponto de partida para abrir um diálogo amplo e necessário. “Se o tema é tão grave, é essencial que o tratemos como prioridade para encontrar uma solução”, disse.
De acordo com o presidente, o crime organizado deixou de ser praticado pelo “bandido comum” para se tornar uma poderosa organização, e essa situação exige uma resposta integrada e coordenada em nível nacional. “É fundamental estabelecer um pacto federativo que envolva todos os Poderes da Federação, discutindo desde o sistema prisional até a padronização dos cadastros estaduais”, afirmou.
O ministro Ricardo Lewandowski também considera essencial repensar o pacto federativo. “A motivação para apresentar essa proposta é a constatação de que, 36 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a criminalidade mudou profundamente, superando a abordagem vigente e transformando-se de um problema local para uma ameaça transnacional”, ressaltou.
O titular da pasta da Justiça e Segurança Pública acrescentou que o rastreamento e o controle das organizações criminosas estão a cada dia mais complexos. “O combate a essa criminalidade exige, portanto, uma visão de segurança pública nacional, capaz de responder à nova dinâmica do crime de forma coordenada e eficaz em todos os níveis”, afirmou.
O presidente também destacou que o crime organizado hoje opera com recursos sofisticados, muitas vezes mais avançados dos que o próprio arsenal das polícias estaduais e até o das Forças Armadas, o que exige um enfrentamento conjunto e eficiente. “Precisamos tirar as instituições de suas caixinhas de vidro e enfrentar a realidade.”
O encontro para discutir a PEC da Segurança Pública contou com a presença de ministros de outras pastas, representantes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Ministério Público Federal. Entre os governadores dos estados e do Distrito Federal, participaram tanto titulares quanto autoridades em exercício. A reunião também incluiu líderes do Congresso Nacional, dirigentes das principais forças de segurança e representantes de entidades municipais, como a Frente Nacional de Prefeitos e a Associação Brasileira dos Municípios.
Ao final da reunião, Lula falou sobre a necessidade da paciência e do comprometimento dos entes federativos para discutir o tema com profundidade. “Queremos construir uma segurança pública mais civilizada e transparente, em que a sociedade possa saber o que realmente ocorre em cada estado, em nível federal e nos municípios. Somente assim poderemos inibir e, quem sabe, até erradicar o crime organizado”, concluiu o presidente.
Entenda a proposta
A PEC busca consolidar três pilares essenciais. O primeiro deles é incluir na Constituição Federal o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído pela Lei Ordinária nº 13.675/2018. A proposta de mudanças na Carta Magna também sugere atualizar as atribuições da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e constitucionalizar o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional.
Para viabilizar essas emendas, o anteprojeto aponta ajustes nos Artigos 21, 22, 23, 24 e 144, de forma a garantir à União competências para definir diretrizes gerais de segurança pública e defesa social. As proposições também englobam o sistema penitenciário.
A ideia é colocar na Constituição Federal o Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, colegiado composto por representantes do Governo Federal, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O principal objetivo, a partir dessas medidas, é estabelecer diretrizes para fortalecer o Estado brasileiro no combate ao crime organizado.
A proposta também visa padronizar protocolos, dados e estatísticas. Atualmente, cada unidade federativa tem seu próprio sistema de antecedentes criminais e formatos distintos de boletins de ocorrência e de mandados de prisão, o que resulta em 27 versões diferentes de informações cruciais. A unificação desses dados é um passo essencial para o funcionamento do Susp.
A centralização não exigirá que os estados e o DF mudem suas plataformas tecnológicas. Não haverá interferência nos comandos das polícias estaduais e da distrital nem alteração nas competências locais na gestão da segurança pública. A proposta também não inclui a criação de novos cargos públicos, mas sim uma estrutura normativa inspirada em modelos já consagrados, como o Sistema Único de Saúde e o Sistema Nacional de Educação.
Ampliação de atuação das forças federais
A segurança pública das 27 unidades da Federação é constituída de duas forças policiais distintas. Uma delas é representada pelas polícias judiciárias, responsáveis pela investigação criminal e pela apuração de infrações penais. São elas: a PF e as Polícias Civis estaduais e do DF. Atualmente, a função de polícia ostensiva cabe às Polícias Militares dos estados e do DF.
Contudo, pela PEC da Segurança Pública, essa atribuição será estendida também à PRF, que passará a fazer o policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. A corporação também poderá prestar apoio às forças de segurança dos demais entes federativos sempre que for requisitada, ampliando sua atuação em operações de segurança pública.
O que muda com a inclusão do Susp na Constituição
Por ter sido criado por uma lei ordinária, o Susp pode ser alterado ou revogado com mais facilidade com aprovação por maioria simples no Congresso Nacional. Ao se tornar constitucional, qualquer mudança exigiria uma nova PEC, que demanda um processo legislativo mais rigoroso e aprovação de três quintos dos parlamentares em duas votações em cada uma das duas Casas Legislativas. Isso garantiria um sistema mais duradouro e protegido de mudanças políticas a curto prazo.
Com status constitucional, o Susp seria uma diretriz nacional para organizar e padronizar a atuação integrada das forças de segurança em todos os níveis — federal, estadual e municipal. A União teria o poder para estabelecer diretrizes de atuação e políticas de segurança de maneira coordenada, algo que hoje está fragmentado.
Além disso, a constitucionalização tornaria os investimentos no sistema único mais estáveis. Isso vedaria o contingenciamento do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional. Ela também asseguraria recursos orçamentários contínuos, especialmente para a capacitação de pessoal, a aquisição de equipamentos e a integração de programas integrados. A medida também tornaria obrigatório o direcionamento de quantias do Fundo Nacional de Segurança Pública para o sistema.
Carteira de Identidade Nacional
Na ocasião, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, apresentou a proposta da Carteira de Identidade Nacional (CIN), desenvolvida pela Casa Civil em parceria com o MJSP. Atualmente, a emissão do documento em 21 estados já ocorre exclusivamente nessa modalidade, enquanto o restante das unidades federativas adota um modelo híbrido.
A implementação da nova carteira contou com o financiamento do Fundo Nacional de Segurança Pública, por meio de transferências fundo a fundo, com destinação direta e obrigatória às unidades da Federação. O objetivo do Governo Federal com o novo documento é tornar gradativamente o sistema de identificação civil mais moderno e padronizado, com a adoção de tecnologias, como a biometria e o QR code, para facilitar autenticação em serviços públicos e privados.
Com 15 milhões de unidades já emitidas, a previsão é de que, até 2031, todos os brasileiros tenham a nova carteira. O novo sistema tem a capacidade de reduzir fraudes ao possibilitar verificações mais ágeis o que atende aos requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados. Essa unificação também permite que diferentes áreas do governo compartilhem dados de forma segura e em tempo real, favorecendo uma atuação integrada para atender às necessidades dos cidadãos.